No coração da Mata Atlântica, em Serra Grande — distrito vizinho a Ilhéus, no sul da Bahia — funciona um criadouro singular de serpentes surucucu, consideradas as mais venenosas das Américas. Com exemplares que podem atingir impressionantes 4,5 metros de comprimento, o local abriga atualmente 34 cobras dessa espécie, todas mantidas sob cuidados especiais.
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Foto: Reprodução/TV Globo |
Um médico apaixonado por serpentes
O responsável pelo criatório é o médico mineiro Rodrigo de Souza, que trocou a rotina urbana por uma vida mais próxima da natureza. Desde criança, ele nutre um fascínio por animais peçonhentos. Hoje, vive no sítio onde mantém as serpentes, preferindo dormir em uma barraca no meio da floresta. “Gosto dessa imersão total com a mata. Dormir em barraca é seguro nesse ambiente, principalmente quando se trata de animais peçonhentos. Fora dela, o risco é bem maior”, explica.
A paixão de Rodrigo pelas cobras se intensificou após um episódio inusitado. Durante uma madrugada, foi surpreendido por um pedido de ajuda: um policial militar bateu à sua porta para que retirasse uma cobra de uma residência próxima. “Acharam que eu fosse me assustar, mas fiz a remoção com tranquilidade. A partir daí, acabei virando referência na região”, conta.
Desde então, passou a resgatar serpentes com frequência. Algumas ele devolveu à natureza, mas outras foram mantidas no criadouro, que surgiu como alternativa para abrigar e cuidar adequadamente dos animais.
O processo para legalizar o criadouro
Em 2003, o médico deu início ao processo de legalização do criatório junto ao Ibama. A autorização final, no entanto, ainda não foi concedida. Segundo o zootecnista Fábio Hosken, responsável técnico pelo projeto, a estrutura já conta com uma licença prévia de instalação, e recentemente passou por uma vistoria. “O próximo passo é obter a autorização de manejo. Com ela, poderemos iniciar oficialmente a reprodução e a comercialização do veneno, garantindo a sustentabilidade da atividade”, explica.
A lentidão no processo se deve à complexidade do caso. Como se trata de um criatório particular e atípico, foi necessário comprovar a origem legal dos animais. De acordo com o superintendente do Ibama, Célio Pinto, boa parte das cobras chegou ao local por meio de resgates realizados pela Polícia Militar e Polícia Civil, a pedido da população. Com o passar do tempo, os animais se reproduziram em cativeiro, o que dificultou o rastreamento de suas origens, exigência prevista na legislação ambiental brasileira.
Reprodução antes da autorização: um erro corrigido
Em 2007, um casal de surucucus chegou a se reproduzir no criadouro, o que à época era proibido. Rodrigo afirma que não sabia da restrição e, ao ser informado oficialmente em 2011, passou a seguir as normas com rigor. “Desde então, temos redobrado o cuidado para não violar nenhuma regra. Estamos aguardando a autorização final para que o criadouro funcione de forma plenamente regular”, afirma.
Produção de veneno e contribuição científica
Mesmo sem fins comerciais até o momento, o criatório já contribuiu com a ciência. Rodrigo doou dois gramas de veneno de surucucu à Fundação Ezequiel Dias (Funed), uma das instituições responsáveis pela produção de soro antiofídico no Brasil. O processo consiste em injetar o veneno em cavalos, que desenvolvem anticorpos. Depois, o plasma sanguíneo desses animais é coletado e utilizado na fabricação do soro, essencial para salvar vidas em casos de picadas.
Um projeto singular com grande potencial
Além de preservar uma das espécies mais temidas da fauna brasileira, o criatório pode se transformar em um centro de produção sustentável de insumos para a saúde. Com a autorização definitiva do Ibama, o espaço poderá desenvolver pesquisas, fomentar a conservação da biodiversidade e até mesmo se tornar um ponto de educação ambiental.
Enquanto isso, Rodrigo continua cuidando das cobras com dedicação e respeito, mantendo viva sua paixão e contribuindo com uma importante causa: a convivência equilibrada entre o ser humano e a natureza selvagem.